segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO E O MODO PETISTA DE GOVERNAR: DO EMBRIÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA AOS LIMITES E POSSIBILIDADES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM JOÃO PESSOA

João Jales[1]


O processo de implantação de uma política pública com essa função – participativa e democrática - demanda vários aspectos de enfrentamentos para a obtenção de resultados desejáveis, dependendo para isso, não só do compromisso da administração pública, mas também da capacidade de pressão política que os movimentos sociais e a sociedade civil podem exercer para lograr desfechos favoráveis ao povo organizado.

É importante ser entendido toda uma conjuntura que foi estabelecida para que se chegasse a isso, portanto serão alçados aqui alguns marcos e premissas que possam introduzir esse debate.


O PANO DE FUNDO NACIONAL – INDUSTRIALIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTISMO, ÊXODO RURAL E OS MOVIMENTOS URBANOS

A conjuntura política desencadeada ao longo da década de 80 que culminou com a promulgação da Constituição Federal sinaliza aqui o marco histórico que inicia a discussão proposta. A partir dessa realidade, o marco legal que institui os pilares da democracia participativa data da Constituição Federal de 1988, incorpora o princípio da participação da sociedade civil.

Nesse período, de transição política, vivenciado pelo Brasil, vários aspectos e forças políticas contribuíram para o resultado de nossa Carta Magna. O processo de urbanização vivenciado pela sociedade brasileira na segunda metade do século XX é um desses aspectos fundamentais para a influência do texto constitucional. Dele partiu um processo de movimentação intensa entre os trabalhadores.

O processo de urbanização no Brasil se iniciou nos anos 40/50 com a industrialização impulsionada pelo Getulismo e o modelo desenvolvimentista de JK, ocasionando assim um grande êxodo rural no país que alcançou seu ápice nos anos 70 do século passado.

O processo de industrialização contribuiu para o do crescimento desordenado e descontrolado das cidades como, por exemplo, São Paulo, que na década de 70 assumiu a posição de principal polo receptor de pessoas na busca pelo emprego. Hoje beiramos os 90% da população brasileira sendo considerada como urbana, num universo de 5.564 municípios brasileiros apenas 60% tem mais de 100.000 habitantes.

Nos anos 80, com o avanço das políticas urbanas, insurge a bandeira do reconhecimento do direito a moradia e com isso a cidade foi o incremento da participação do cidadão como interlocutor das políticas urbanas. Com isso (e outros fatores, como o apogeu das organizações populares, os movimentos sindicalista e operário) garantiram o marco da participação popular na Constituição de 1988. Passam a serem usadas (e desta vez, de forma mais concreta) no jargão político da esquerda brasileira palavras e expressões como “empoderamento”, “poder popular”, “participação popular”.


PARTICIPAÇÃO POPULAR EM JOÃO PESSOA

No caso de João Pessoa essa movimentação partiu pós-industrialização nacional, bem aquém do cenário das grandes cidades brasileiras. Além disso, a conjuntura política pessoense não favorecia nenhum avanço no sentido da aplicação de mecanismos de participação popular em sua gestão municipal[2].

Historicamente grupos conservadores - ora exaltados, ora moderados – se revezavam nas estruturas de poder da capital paraibana. O que existiam eram alguns mandatos parlamentares comprometidos com os movimentos sociais, que garantiam alguma medida de instrumentalização de seus mandatos para lutas sociais nesse período.

Foi diante dessa realidade que o município de João Pessoa com base na lei orgânica e na Constituição Federal em seu Art. 182 cria o Plano Diretor da cidade, Lei n° 3 de Dezembro de 1992. Lei esta, que contempla instrumentos para o ordenamento da cidade e também a participação popular, ou seja, a gestão integrada e participativa da população para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Naquele momento cria-se o Conselho de Desenvolvimento Urbano, o CDUR, que é o marco regulatório para criação dos instrumentos democráticos da política participativa no município, como por exemplo: Outorga Onerosa, Imposto Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo, Zonas Especiais de Interesses Sociais (ZEIS), entre outros. Instrumentos esses que foram criados, mas daí, a serem implantados de forma concreta, só viria a ser de acordo com a conveniência da gestão que existia. Assim, de 1992 até 2001 não houve mudanças significativas no plano diretor do município de João Pessoa, fruto esse do resultado de um período de predominância do conservadorismo, refletindo até em certa parte políticas coronelistas[3].

Só após ser sancionada a Lei 10.257 do Estatuto das Cidades em 2001, a qual institui que as cidades com mais de 20.000 habitantes estavam obrigadas a criar o seu Plano Diretor e as que já possuíam seu plano, teriam que revisá-los, foi que surgiu a preocupação nos administradores públicos em realizar a revisão obrigatória dos planos diretores no município.

Em janeiro de 2003 chega ao poder nacional, representado no sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, o que se pode ser chamado de “modo petista de governar”, qual seja, um modelo político assentado nos interesses sociais, voltando às políticas de Estado para o empoderamento de grupos e direitos sociais e participação dos movimentos sociais e sociedade civil organizada no âmbito da gestão. Experiências municipais desse modo petista de governar têm como exemplos Recife ou Porto Alegre, que são bem sucedidas em seus instrumentos de participação popular.

A capital paraibana só começou a realizar a revisão obrigatória desse instrumento no ano de 2005[4], quando foram colocados em prática os que já estavam previstos, melhorando significativamente o ordenamento da cidade, através de uma melhor distribuição nas construções verticais, que devido ao adensamento que essas construções provocavam, direcionou-se para os setores que cobravam o menor valor da Outorga Onerosa.

Nesse sentido, com essa revisão surge uma observação por parte da gestão municipal em relação ao novo cenário que se desenhava, ou seja, percebeu-se que estavam utilizando em vários municípios um instrumento já contemplado no Estatuto das Cidades que era o Orçamento Participativo (OP). Dessa forma é estimulada a ideia de se criar um modelo de Orçamento Participativo do município de João Pessoa. Surge então o Orçamento Democrático.


O ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO: UMA EXPERIÊNCIA DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA EM JOÃO PESSOA

O marco legal desse processo é com a criação da Secretaria de Transparência Pública, orientando-a pela Lei de Responsabilidade Fiscal, com fim de avaliar, discutir e opinar nas decisões do município, e assim, ainda em 2005 editar a lei municipal de n° 10.429 da Estruturação e Coordenação de Orçamento Democrático.

Segundo a Prefeitura Municipal de João Pessoa (2010), o Orçamento Democrático é um instrumento de participação direta dos cidadãos e cidadãs no processo de elaboração, implementação, e fiscalização da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), da Lei Orçamentária Anual (LOA), do Plano Plurianual (PPA), das obras, serviços e ações do Município de João Pessoa.

Esse instrumento tem como princípios básicos: o fortalecimento do Poder Local; o empoderamento da sociedade, através da sua participação na gestão pública municipal e o estabelecimento do controle social, através de mecanismos de prestação de contas e de transparência das políticas públicas.

Para tanto, tem como finalidade: instituir a Democracia Participativa na Gestão das Políticas Públicas do Município de João Pessoa, através da criação de espaços públicos não estatais de articulação de interesses; contribuir para a formulação do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA); contribuir para a formulação do Plano de Investimento Setorial e fiscalizar as obras, serviços e ações da Prefeitura Municipal de João Pessoa. 

A gestão municipal de João Pessoa, assim, desde 2005, tem no Orçamento Democrático – o OD – um instrumento/ferramenta de caráter participativo, consolidado como uma política pública com essa função social participativa e, portanto, capaz de promover transformações qualitativas na gestão pública no que diz respeito à relação entre a sociedade civil e o poder público.

Composto por Ciclos Orçamentários, o OD organiza e sistematiza, através de seu desenho institucional, os conjuntos de demandas e ações que são solicitadas pela população, por meio de uma metodologia que compreende 14 regiões orçamentárias, audiências regionais, planejamentos participativos (ou democráticos, como são chamados) seminários temáticos e avaliação dos ciclos anuais. São eleitos Conselhos Regionais através da mobilização dos bairros e ZEIS para suas eleições regionais, e os Conselhos Regionais elegem representantes para o Conselho Municipal.

Desde 2006 são oferecidas inovações e aprimoramentos, como os Seminários Temáticos e a Formação dos Conselheiros e Conselheiras; reuniões preparatórias com lideranças religiosas, comunitárias, sindicais, populares e de movimentos sociais, com o intuito de mobilizações para as audiências regionais. Outra curiosidade também é a solicitação da participação do poder legislativo no Conselho Municipal.

Fato é que o empoderamento popular advindo desse instrumento teve uma significativa contribuição para uma mudança de mentalidade política do cidadão e da cidadã pessoense. Sua noção de cidadania trouxe um impulsionamento às organizações de diferentes setores e comunidades, buscando determinados conjuntos de obras, serviços e ações que contribuíssem com a melhoria da qualidade de vida da população de suas respectivas regiões.

Fez ainda com que se quebrasse o mito de clientelismo entre os mandatos legislativos municipais e a população: com o protagonismo do cidadão, corresponsável da peça orçamentária que é encaminhada à Câmara Municipal, ele discute de igual para igual com um vereador que seja indicado pela Câmara para fazer-se presente no Conselho Municipal. Essa representação, além de simbólica para o povo organizado, trata-se também de uma formação e esclarecimento de como funcionam o PPA, a LDO e a LOA.


O ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO, SUA CONSOLIDAÇÃO E SEUS DESAFIOS

Mesmo presente desde 2005, o OD somente ocupa uma posição de relevância na estrutura do executivo municipal no ano de 2012. A consolidação desse instrumento de participação popular como uma política de governo se dá quando é sancionada a Lei que institui a Secretaria Executiva do Orçamento Democrático e dá outras providências acerca da consolidação da ferramenta. É importante esse marco, pois o OD deixa de ser uma Coordenadoria, que caracterizava sua estrutura institucional como uma política de gestão – gestão essa do campo popular democrático - e passa a ser Secretaria, com um status diferenciado, mantendo sua transversalidade institucional e garantindo-a como uma política de governo.

Diante dos dados coletados pelo setor de Gestão da Informação que subsidia os bancos de dados da Secretaria da Transparência Pública, enumeramos três grandes vertentes que norteiam o processo de aprimoramento do Orçamento Participativo de João Pessoa, o OD: o político, o técnico e o conceitual[5]. Vale ressaltar que essas análises ocasionalmente se confrontam, e outras vezes podem se completar.

Do ponto de vista político, os desafios são temas que envolvem a capilaridade das ações da Secretaria do OD, bem como as articulações entre a Prefeitura- poder público- e associações, grupos, coletivos, ONGs, etc – a sociedade civil organizada.

Na visão técnica, os números norteiam os objetivos: os níveis quantitativos e qualitativos buscam sua otimização, através de pesquisas e levantamentos de dados tanto da população dos bairros e ZEIS que constituem cada uma das regiões orçamentárias do município; quanto dos membros dos Conselhos Regionais, que são referenciais importantes de como cada região se organiza e reproduzem e representam suas peculiaridades locais.

Em sua visão conceitual, envolvemos nela o cerne que discute o conceito de Democracia Participativa em João Pessoa, e em quais medidas o OD foi um avanço e em quais tópicos o OD peca e se distancia do conceito de Orçamento Participativo.

Contando com diversas experiências de Democracia Participativa e Orçamento Participativo que se desenvolveram por todo o Brasil são possíveis indicar, segundo o “modo petista de governar”, condições básicas que garantam a efetivação da participação popular e cidadã. São elas:

a) Canais de participação que existam de forma institucional ou não, e que sejam respeitados e apoiados em suas atribuições e decisões;

b) Comissões e Conselhos que possuam regimento próprio e tempo de mandato de seus integrantes definido;

c) A necessidade das informações dos órgãos públicos serem explícitas, inteligíveis e disponíveis;

d) Participação bem informada e qualificada dos agentes governamentais, que garantam coerência nas ações do governo;

e) Compartilhamento de poder entre governo e sociedade civil nas tomadas de decisões;

f) Mecanismos de controle social que acompanhem o processo de participação popular e cidadã.


A partir dessas condições podemos enumerar o conjunto de acertos e erros que a experiência do OD em João Pessoa acumulou ao longo desses 8 anos de sua existência. Começaremos por discutir sua concepção, antes de pormenorizar uma leitura mais extensa sobre a efetivação da participação popular.


O ORÇAMENTO PÚBLICO É DEMOCRÁTICO OU PARTICIPATIVO?

A começar pelo seu “batismo”, a nomenclatura empregada é questionável, se levarmos em conta que o objetivo dessa ferramenta é a participação. Chamá-lo de Orçamento Democrático foi tática da gestão que, de 2005 a 2012 se colocou a frente da Prefeitura Municipal de João Pessoa.

O intuito desse nome dado à ferramenta foi tentar descolar a ideia de que Orçamento Participativo é oriunda do projeto político que é alicerçado dentro das instâncias do Partido dos Trabalhadores, e consequentemente, desconstruir a ideia de que existe um “modo petista de governar”, que historicamente foi responsável pela construção e pela inclusão dos mecanismos de participação popular na Constituição Federal.

Com isso, o OD não representa o conceito que seu nome sugere. Em outras palavras, seguindo o raciocínio pelo viés político, foi uma jogada de marketing para promover os agentes políticos à frente da Prefeitura.

Do ponto de vista técnico, o OD não é “Democrático”, e sim, “Participativo”. Não existe tamanho peso político da população para que as tomadas de decisões sejam rigorosamente democráticas, até porque a sociedade civil muitas vezes não debate em pé de igualdade técnica as demandas geradas pela população, devido a uma serie de fatores, principalmente de formação cultural e intelectual.

Nesse sentido, os significados político e técnico complementam o conceitual que envolve a ferramenta. Se quisermos um Orçamento Participativo, é necessário que ele seja assumido como tal.

É importante que se ampliem os conceitos de participação popular que a ferramenta se disponha a aprimorar e se desconstrua a falsa ideia de que um cidadão comum tem o mesmo peso de decisão que o do secretário de planejamento do município, por exemplo.

Deve ser considerada a participação do povo na tomada de decisões do uso do orçamento público, mas não admitimos enganá-lo com a promessa de que o instrumento possa tornar o orçamento público “Democrático” no sentido estrito da palavra. Afinal de contas, se o povo elegeu representantes em cargos públicos, é porque confia e acredita na capacidade desses representantes, e isso serve para suas tomadas de decisões e escolhas de rumos para a gestão da cidade.

Por isso o “Orçamento Democrático” deve se tornar “Orçamento Participativo” e reproduzir esse conceito: o de uma ferramenta instituída no regime democrático que garante a participação da população na tomada de decisões sobre o orçamento público.


CANAIS DE PARTICIPAÇÃO

Os canais de participação instituídos pela Prefeitura Municipal de João Pessoa estabelecem órgãos como a Secretaria da Transparência Pública, a Ouvidoria e o Orçamento Democrático, que construíram historicamente sua importância frente à população.

Pelo viés político cabe ao poder público estabelecer cada vez mais a capilarização do diálogo com entidades representativas, Conselhos, Comitês e Fóruns constituídos pelo povo organizado. Esses canais permanentes devem manter e ampliar negociações entre o povo e o poder público, no sentido das forças políticas que internamente disputam os espaços públicos de debate construídos em João Pessoa.

No campo técnico esses canais ainda carecem de uma interface estrutural que otimize essa capilarização das ferramentas de participação popular. É necessária a existência de estruturas que funcionem emsubprefeituras[6], por exemplo: os núcleos de planejamento comunitário[7].

Espalhadas pelo município institucionalizam de fato as regiões que constituem a metodologia da participação popular na cidade. Para além das regiões orçamentárias que dividem o município, deveriam existir estruturas físicas desse instrumento de participação popular.

Constitui um desafio no campo conceitual da gestão materializar na Prefeitura de João Pessoa e conseguir estabelecer essa “interface” estrutural na capilarização desse diálogo de ações. O conceito dessa participação, em especial dado à Secretaria Executiva do Orçamento Democrático (ou Participativo) e ao agente governamental que exerce diretamente esse canal. A figura do agente governamental possui um cargo público de “Chefe de Núcleo Orçamentário”, mas a sociedade civil o conhece por “Articulador”.

Não que o Chefe do núcleo não deva fazer isso. Na verdade, a palavra usada representa a essência de sua habilidade em estabelecer relação com a sociedade civil organizada, mas o que se sugere é a existência de um núcleo, uma estrutura transversal institucionalizada, que na realidade física só existe na figura do agente governamental. Pensar essa estrutura administrativa que envolva planejamento e participação popular nas decisões do orçamento público é necessário ao conceito que se possui hoje na Prefeitura de João Pessoa e ampliar o quadro funcional para desempenhar essa interlocução e poder público e sociedade, do lado do poder público, é preciso.


COMISSÕES E CONSELHOS

A ferramenta de participação da cidade de João Pessoa possui, em sua metodologia, um Conselho Regional para cada uma das regiões orçamentárias, e um Conselho Municipal, formado por representantes indicados em cada conselho regional. São formadas ainda comissões para a execução, fiscalização e monitoramento de obras e ações da Prefeitura, e essas comissões são formadas por representantes dos conselhos regionais e representantes da Prefeitura.

Politicamente a articulação com outros conselhos – os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Direitos da Mulher, dos direitos do Idoso, de Juventude, entre outros – são de grande importância para a mobilização da sociedade civil em instrumentos que proponham participação popular. Esses conselhos devem manter uma articulação permanente com conselheiros e conselheiras do OD, pois trazem demandas desses setores que reconhecem também nesses conselhos setoriais instrumentos de diálogo entre poder público e sociedade civil organizada.

Do ponto de vista técnico, vale mencionar que os conselhos municipais de Educação e de Saúde são fundamentais para estabelecer parceria no planejamento e na aplicação dos recursos públicos. O que é preciso se ter em mente é que os Conselhos aqui denominados como “setoriais” – Mulheres; Idosos; Criança e Adolescente; e Juventude – são necessários para uma melhor efetivação dos recursos em políticas que discutam sua aplicação para um determinado segmento, ou uma determinada faixa etária, por exemplo.

No campo do conceitual é importante estabelecer um procedimento que instaure diálogos em que possam mesclar esses segmentos em plenárias setoriais. Houve experiências em João Pessoa em realizar plenárias setoriais de mulheres, mas essa ideia não foi levada à frente pelos gestores na capital. Uma inovação responsável na concepção do instrumento seria pensar a retomada e expansão dessas plenárias setoriais.


INFORMAÇÕES EXPLÍCITAS, INTELIGÍVEIS E DISPONÍVEIS.

A Lei 12.527, em vigor desde 2011, trata de princípios que venham garantir a transparência de informações de órgãos da administração direta e indireta de todos os poderes de todos os entes federativos e de entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos. Estabelece a ideia de publicidade como preceito geral e sigilo como exceção no âmbito das informações que possam envolver dinheiro público.

É importante notar que além de garantir o acesso à informação pública, a lei garantiu também parâmetros mínimos para garantir a divulgação desses dados. Isso garante seu caráter explícito e sua disponibilidade. Entretanto, é necessário ainda entender de um jargão linguístico que impregna esses relatórios: as informações não são entendíveis, ou inteligíveis, para muitos cidadãos e cidadãs comuns.

Isso mostra, pelo viés político, que precisa se estabelecer um canal que se entenda tanto um lado quanto o outro se faça ser entendido. A comunicação para se exercer uma relação política é fundamental, e quando não se consegue isso a perda se materializa na desmobilização de atividades propostas pelo instrumento/ferramenta.

No caminho técnico, observamos que o maior drama se encontra numa estrutura que se disponibilize para a garantia dessas obrigações mínimas de divulgação. Existe uma Ouvidoria Geral na Prefeitura e ainda Ouvidorias setoriais nas secretarias e órgãos mais solicitados, entretanto muitas atribuições oriundas das ouvidorias terminam no OD por sua proximidade in loco com a população. Com essas atribuições redistribuídas e redimensionadas se abriria a possibilidade de se reorganizar esses canais e facilitar uma maior aparelhagem pública para o cumprimento dessas exigências.

No conceito, o que se precisa é inovar na transferência das informações para que se facilite a absorção dos dados e torne mais palpável à ideia de ser responsável pela fiscalização do dinheiro público de sua cidade. Deve ser estimulado, para além dos membros dos Conselhos do OD, que seus colaboradores e parceiros também estreitem esse canal de transmissão desses dados, pois ninguém melhor que os moradores e moradoras da localidade e da região para saber como transferir essas informações e serem entendidos nessa transmissão.


INFORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DOS AGENTES GOVERNAMENTAIS

Para desempenhar suas ações, a Secretaria Executiva do Orçamento Democrático em João Pessoa possui uma equipe que opera informações no Gabinete e agentes governamentais que trabalham nas 14 regiões orçamentárias nucleadas no município.

No gabinete, existem divisões que garantem subsídio estrutural às ações desempenhadas pela equipe de campo. Os Chefes de Núcleo trabalham no cotidiano dos bairros e ZEIS, em estrutura e equipamentos públicos, dialogando com outros agentes públicos e com moradores, colaboradores e lideranças da região. Essa estrutura articulada de agentes presentes no dia a dia da população com um gabinete que sustente a transversalidade das ações propostas pelo OD propõe um estreitamento nas relações, uma tentativa de desformalização e desinstitucionalização da relação entre poder público e sociedade civil.

Diante dessa capacidade exposta pela estrutura que compete ao OD em João Pessoa é importante que a informação circule de forma dinâmica e precisa entre os agentes, e que os agentes governamentais tenham a capacidade de mobilização e diálogo com a sociedade que é preciso para o desempenho da função. É preciso que haja uma equipe no gabinete que consiga organizar, processar e distribuir o fluxo de informações que circulam na Secretaria com rapidez e discernimento. É importante que exista uma qualificação para pensar, planejar e seguir novas metodologias, e que a capacidade de adaptação seja valorizada para o desempenho dessas atividades.

Esses são desafios conceituais, técnicos e políticos que exigem habilidades diferenciadas no exercício dessas funções. Para a garantia de uma coerência entre as ações governamentais e o comportamento de seus agentes é imprescindível à informação sobre as ações, obras, projetos e serviços da Prefeitura, além de seus respectivos andamentos.

É importante que haja um compromisso de impessoalidade conferida ao cargo público e que esses agentes sigam uma conduta, para não se correr um risco de atentar contra a lisura de qualquer processo ocorrido democraticamente.


COMPARTILHAMENTO DE PODER ENTRE GOVERNO E SOCIEDADE CIVIL E OS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL

O instrumento estabelece um processo de corresponsabilidade entre o poder público e a sociedade civil organizada. É um passo importante para a democracia o estabelecimento desse instrumento/ferramenta.

Entretanto, é importante algumas observações pertinentes e dignas de leitura: no processo de observância das publicações (panfletos, folders, cartilhas, regimentos) da Secretaria da Transparência Pública de João Pessoa, e mais especificamente nos materiais do OD, conseguimos visualizar um processo de inserção de Conselheiros e Conselheiras em órgãos da administração pública. Isso fere gravemente todos os regimentos construídos pelos Conselhos Regional e Municipal e em vigência nos ciclos do OD.

Dessa forma verificamos um instrumento com seus pilares desgastados e comprometidos. A participação real da população mostra que pode ser manipulada e enveredada por um encaminhamento que parta dos gabinetes do poder público. Esse processo, do ponto de vista técnico, político e conceitual, age de forma negativa para a garantia (anteriormente assegurada, mas sob a alegação de uma “governabilidade”) de uma efetiva participação da sociedade civil, que enfraquece seu empoderamento nesses atos.

Para municiar o combate a esses “vícios” presentes nas práticas políticas e para que se tenham garantias muito mais substanciais, surge como aparato legal a Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação ou Lei da Transparência Pública, que facilita e agiliza o acesso à informações de todas as esferas de poder de todos os entes federados.

Apesar da resistência do Legislativo e Judiciário, houve uma iniciativa e facilitação por parte do poder Executivo para que isso acontecesse de fato e vem se concretizando no Brasil. É importante ver isso se aplicando ao âmbito da Prefeitura de João Pessoa, para resgatar a credibilidade e o compromisso com a participação da população na gestão do município, antes deturpados pela política clientelista que se abria recedente na relação entre agente público e conselheiro ou conselheira do OD.

Cabe a quem possa construir esse instrumento, tanto do lado do poder público quanto da sociedade civil, ter a responsabilidade de cumprirem seus papéis, sendo agentes públicos ou lideranças comunitárias, e se comprometam, tanto em garantir a difusão de uma nova cultura política e uma nova perspectiva de participação, combatendo qualquer hipótese de perversão da ferramenta de participação popular na capital paraibana.

O mais importante é saber que esse desafio será bem aceito por ambas as partes, poder público e sociedade civil, pois escolheram nas urnas e referendaram nas eleições de 2012 representantes que se comprometeram com o povo a fazer esse trabalho, e desde 2005 tem “degustado” experiências desse regime, mas por uma ou outra razão, se perderam nesse caminho.





NOTAS:

[1] Estudante de Comunicação Social na UFPB, membro da direção da Juventude do PT de João Pessoa – PB e Chefe de Núcleo da 8ª Região Orçamentária do Orçamento Democrático na Prefeitura de João Pessoa. Já foi militante do movimento estudantil e atuou no Setor de Pesquisa e Produção da Informação da Subsecretaria do Orçamento Democrático, no Governo da Paraíba. 

[2] As gestões municipais que antecederam João Pessoa foram alternadas entre lideranças conservadoras do PSDB e PMDB. Até a década de 1990 todos faziam parte da mesma legenda, mas por disputas internas se dividiram entre as duas legendas. Uma parte continuou na legenda de origem, o PMDB, que tinha como grandes lideranças Antônio Mariz e José Maranhão. Outro grupo liderado pelas famílias Cunha Lima e Lucena migrou para o PSDB, onde até hoje permanecem.

[3] Mais uma referência às gestões do PSDB e PMDB da década de 1990, se estendendo até 2004, com a gestão de Cícero Lucena, do PSDB. Não era interessante para essas gestões implementarem nenhuma medida de política pública com interesse na participação da sociedade. Esses mecanismos poderiam produzir um enfraquecimento das relações clientelistas que existiam entre um eleitorado fragilizado economicamente e grupos elitistas que detinham o poder na capital paraibana.

[4]A partir de 2005 a Prefeitura de João Pessoa é gerida por uma gestão composta por partidos do campo democrático popular. O PSB possuía o prefeito, Ricardo Coutinho; o vice prefeito era Manoel Junior, uma “renovação” do PMDB, que reproduzia uma aliança no plano nacional; e a base de sustentação dessa gestão contava com espaços estratégicos preenchidos pelo PT.

[5] A divisão entre político, técnico e o conceitual são tipos ideais formulados pensando num balizamento metodológico na análise do instrumento.

[6] Estrutura com funcionamento análogo ao das Secretarias da Prefeitura, para melhor atendimento à população. As subprefeituras são comuns em gestões que buscam a proximidade com a sociedade e uma descentralização administrativa para agilidade de ações.

[7]Estrutura utilizada no OP de Recife que funciona como núcleo constante de planejamento das ações da Prefeitura na região. A população possui o empoderamento sobre o planejamento da aplicação do dinheiro público e estabelece as prioridades nas necessidades que sua região possui. Esse diálogo permanente com os gestores públicos garante um fluxo maior de informações circulando sobre as ações, obras, projetos e serviços desempenhados pela prefeitura, além de garantir uma presença mais efetiva do poder público nas áreas mais demandadas.


REFERÊNCIAS

AVRITZER, L. O orçamento participativo e a teoria democrática: balanço crítico. In: Leonardo Avritzer; Zander, Navarro. (Org). A Inovação Democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. 52 p.

BRASIL. ESTATUTO DAS CIDADES. LEI Nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

BRASIL. LEI Nº 12.527, de 2011.

DA SILVA, Alessandro Filgueiras. OLIVEIRA, Tatiana Souto Maior de. Orçamento Democrático: articulação de políticas e estratégias de gestão democrática pela participação efetivada sociedade no processo decisório de práticas públicas. João Pessoa, 2011.

Partido dos Trabalhadores. Metodologia e diretrizes de programa de governo. São Paulo, 2012. pp 19-20.

DAGNINO, Evelina. ¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? Caracas: FACES, Universidade Central de Venezuela, 2004. pp.95-110 

PINHEIRO, Otilie Macedo, [et al]. Acesso à terra urbanizada: implementação de planos diretores e regularização fundiária plena. Florianópolis: UFSC; Brasília: Ministério das Cidades, 2008. 366 p. 

Prefeitura Municipal de João Pessoa. Secretaria da Transparência Pública. Coordenadoria do Orçamento Democrático: Regimento Geral do Orçamento Democrático de João Pessoa. João Pessoa: 2010

TOMAZI, Nelson Dacio. Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 2000.




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